Mães do Mundo: O que é uma brincadeira mesmo?
A dinâmica do brincar vai mudando com o andar das linhas do tempo. É por isso que a edição de hoje do "Mães do Mundo" acompanha Cora Lima em uma viagem ao seu passado -
A dinâmica do brincar vai mudando com o andar das linhas do tempo. É por isso que a edição de hoje do “Mães do Mundo” acompanha Cora Lima em uma viagem ao seu passado – e ao futuro de seu filho. Confira!
Ainda criança, quando chegava Janeiro e Fevereiro, eu pensava: Mais uns dias e eu irei para casa da Vó Tereza. Nossa…
Eu ficava exatos 30 dias por lá. Era interior, cidade de Taubaté, e ela morava em um bairro que se chamava Parque Ipanema. Ruas de terra, casas com muros baixos, quase todas com aquela casinha no canto da varanda, com uma Nossa Senhora, iluminada por uma luz roxa ou vermelha (Confesso, aquilo me passava um medo à noite).
Bem, basicamente lá eu me encontrava com minha turma. Tínhamos muitos planos, devido às múltiplas ofertas a que éramos expostas: Boneca, roupa da boneca, filha da boneca com a da outra boneca, fazíamos uma nova boneca. Eram muitas bonecas.
Em frente à casa da vovó, um terreno baldio, com um pé de pitanga que nos levava a um campo de futebol, onde aconteciam jogos aos domingos com o time do bairro, que era treinado pelo dono da padaria. Dizem as más línguas que, neste campo, todas as noites, duas bolas de fogo se encontravam. Eram enviadas por um coice de uma mula sem cabeça. Não entendi, e até hoje não entendo, porque ela faria isso. E o que estas bolas queriam? Que chatice!
Na mesa, coisas de vó: torta de banana, pão de mandioquinha, manteiga e requeijão que vinham de uma roça próxima. Ela, minha avó sempre fazia, em um dos dias que eu lá estava, um almoço com nhoque. Minha comida predileta. E ela sempre contava com minha ajuda. Sinônimo de lambança e felicidade.
Das brincadeiras, que não terminei de falar: bicicleta, mas muita bicicleta e, em consequência, joelhos ralados à merthiolate, que na época, ardiam cada poro da sua pele. Idas a uma cachoeira próxima. Fogueiras na rua de terra. Barro virava obra de arte e até vasinhos de presente para minha vó.
Sabe no que eu pensei agora?
No hambúrguer.
Moramos em 60m quadrados, rodeados de outras torres, que depois de nosso condomínio, se encontram com outros condomínios. Lá, o máximo da diversão é Netflix combinado com Discovery Kids. Por estes dias, no café da manhã, ofereci frutas: “Heitor, quer banana ou maçã? Ele respondeu: “Mirtilos, mãe.” Cerca de 780 milhões de caraminholas de cabeça de mãe estavam dançando zumba lá dentro.
Naquela hora (isto porque é cientificamente comprovado que, nossas caraminholas, as de mãe, são mais eficazes e poderosas que de outros seres), não titubeei: “Mirtilos? De onde você tirou mirtilos? . E ele, inocentemente, me estapeando a cara com sua infância em 60m quadrados, respondeu: “Mãe, da Masha e o Urso!”
Saí. Saí de cena. Saí daquela prisão que é criar seu filho. Que é ser mãe. Que é ser o norte e exemplo de alguém.
O que seus filhos estão fazendo com vossas infâncias? Está pensando nisso?
Resumi parte, quase ridícula, da minha infância, pois ela foi boa e bem proveitosa. Me trouxe estórias e repertório para compartilhar. E o hambúrguer. Como será?
Eu adotei para vida dele, como mãe, alguns processos que acredito ajudar no seu desenvolvimento, e futura memória infantil (Quase um manual escrito por um computador louco, né?!). Criar métodos e formas dele se divertir e expandir a cachola. E ainda em todas estas tentativas, vejo um gap bem difícil de ser preenchido. Não temos mais aquela liberdade e segurança que tínhamos 30 anos atrás (30 anos é meramente lúdico, porque não conversa com minha atual idade, claro… haha!)
A escola dele tem algumas atividades que vão alem da sala: São visitas às pracinhas próximas dali, visitas às feiras de rua, alguns eventos onde fecham a rua e atividades que incentivam a vida em sociedade. Na feira, visitam o peixe e comem biscoito de vento. Saem todos envolvidos por uma corda, com as tias em volta. Circulo de segurança. Na praça, fecharam com um cercado.
Ou seja, liberdade condicional ou indulto de infância? Eles estão fadados a competir com uma liberdade que é velada. Não existe. Eles estão cercados o tempo todo: pelos apartamentos, pelos muros, cordinhas e mini grades. São os grandes “Charles Darwin” da evolução infantil, estão sobrevivendo a esta realidade, porque são melhores.
Tento levá-lo a fazendas, parques, florestas urbanas, e outros, no sentido de inverter o que ele possui hoje: televisão, brinquedos que soam o tempo todo, eletrônicos em geral, brinquedos que pouco o desenvolvem. E eu, claro, me sinto uma péssima mãe. Fora aqueles que ficam vermelhos e tocam musicas coreanas. Bem difícil esta nossa missão.
Nossa porcentagem e contribuição, certamente, deve ficar nas adaptações de nossas brincadeira, com o que hoje eles podem fazer: Eu por exemplo, adotei o método Montessori no quarto do biscoito. Lá, ele tem as coisas dele ao alcance e como quer fazer. Brinquedos, livros, giz e seus monstros e dinossauros. Não é exatamente com a Maria Montessori definiu, mas, tento seguir algo no sentido. Consequências boas e ruins: Todas as paredes riscadas por giz de cera vermelho, azul escuro e preto. Alguns livros no começo apareciam rasgados (E ele me falava: “Mãe estou separando eles…”). Mas, em via contrária, ele guarda sua roupa, seus sapatos, e pega sua mochila, sem nossa ajuda.
Uma outra alternativa que encontrei foi trazê-lo para cozinha. Fazemos bolos, sucos e saladas juntos. E agora, todas as vezes que vou para cozinha, ele vem atrás e me fala: “Posso pegar a cadeira para te ajudar?”
A palavra de ordem para nós, estas mães com perfil multi task é bem o improviso e adaptação. Precisamos preencher as lacunas, oferecer o que nós temos em mãos, porque nossas brincadeiras estão lá no passado, mas podem ser trazidas para cá, de forma adaptada. A única ressalva, que para mim soa forte é: Não o escravize em uma tela cerceadora e mal intencionada ou pequena demais para as fantasias dele. Aumente, maximize e o deixe próximo da criatividade que só uma criança tem.
Seja vivo e o deixe, também vivo.
Beijos.
Cora Fernanda de Faria Lima – mãe do Hambúrguer, insatisfeita, leio dois livros ao mesmo tempo, amo escrever e tomo café sem açúcar. corafarialima@hotmail.com | @fer_corafari